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  • Foto do escritorProf. Gildo Gomes

Calvino mandou matar Serveto?


Lutero bebia cerveja1. Spurgeon fumava charuto2. Edwards possuía escravos3 e Calvino matou Serveto4. Muitas vezes essas declarações são usadas por arminianos como acusações aos defensores da doutrina da eleição. Cada uma tem o seu contexto histórico e já foram respondidas de maneira séria por estudiosos e historiadores. No presente artigo desejo deter-me na última por ser a mais difundida contra João Calvino e os calvinistas. Dois livros que fizeram isso nos últimos anos, um escrito por um apologista brasileiro e o outro, um estadunidense. O primeiro é Calvinismo Recalcitrante, publicado em 2014, por Flávio Martinez, presidente do CAPC – Centro Apologético Cristão de Pesquisa. O segundo é Que Amor é Este?, ano de 2015, de autoria de Dave Hunt (1926-2013), famoso conferencista mundial e ardoroso defensor do pré-tribulacionismo.

João Calvino

CALVINO, DITADOR EM GENEBRA?


A Genebra do século XVI era uma espécie de cidade-estado grega. Era pequena, fortificada, protegida por muros e independente. Os habitantes que usufruíam do título de bourgeois, se encontravam uma vez no ano para eleger o Conselho dos Sessenta. Os estrangeiros não tinham direito a voto, nem portar arma, e nem de assumir qualquer função pública. Genebra deixou o catolicismo em 1535, e abraçou a causa protestante. João Calvino, era um francês (Jean Cauvin) que nascera em 1509. Aos 27 anos e na Basiléia, Suíça (1934-1936) escreve sua obra-prima, As Institutas da Religião Cristã. Voltou para França e foi para Estrasburgo, e de lá para o sul da Alemanha. Seu objetivo era estudar e escrever no sossego e tranquilidade. Na viagem uma guerra entre Charles V, o Sacro imperador romano, e Francisco I, rei da França, fez Calvino desviar sua rota, obrigando-o passar por Genebra. O objetivo era apenas uma noite, mas William Farel, o convenceu a trabalhar na causa de Cristo na cidade, e caso não o aceitasse, o desejo de Calvino de uma vida de estudo e tranquilidade estariam debaixo de maldição. Ele aceitou e a sua vida e a de Genebra mudariam para sempre.

Infelizmente a vida e a liderança de Calvino na cidade de Genebra em alguns livros escolares e de historiadores tendenciosos, são vistas como intolerante, despótica e cruel. Há quem imagine Calvino comandando Genebra com mão de ferro como um ditador pior que Nicolas Maduro na Venezuela. Citam-se até fatos não documentados. Aldous Huxley dizia que “durante o período do governo teocrático de Calvino em Genebra, uma criança foi publicamente decapitada por haver se aventurado a agredir seus pais5. Dave Hunt menciona essa feke news em seu livro6. Nada disso há nos arquivos de Genebra e os códigos civil e criminal da época não justificavam tais punições. Caso Calvino fosse um “ditador”, então era diferente de todos na história. Primeiro, ele se tornou cidadão genebrino somente na sua velhice. Não podia concorrer às eleições, e até 1559, sequer votava nas eleições municipais. Calvino caminhava nas ruas debaixo de muito insulto e zombarias ditas até por crianças. Pessoas eliminavam letras de seu nome e chamavam-no de Caim e outros cidadãos assobiavam para seus cachorros de nome Calvino. Certa vez, nos momentos finais de vida de sua amada esposa, Idelette, ele foi empurrado numa ponte por um grupo de rebeldes7. A sua biografia escrita por seu amigo e companheiro, Teodoro de Beza apresenta todo o trabalho, problemas e sofrimentos de Calvino em Genebra8. Apesar dos erros, falhas e pecados de Calvino, a conclusão a que se chega sob seu pastorado em Genebra é a mesma do cientista Alister McGrant: “A imagem de Calvino como o “ditador de Genebra” não guarda qualquer relação com os fatos históricos conhecidos. Seu perfil, traçado por Stepham Zweig, de um líder autoritário que governava os desafortunados habitantes de Genebra com uma vara de ferro deve, talvez, mais à imaginação de Zweig e à sua agenda antiautoritária, informada e temperada por imagens de Robespierre, Hitler e Stalin, do que as realidades da vida, na Genebra do Século 16”9.


CALVINO E A EXECUÇÃO DE MIGUEL SERVETO


Miguel Serveto era um médico espanhol, antitrinitariano, antipedobatista, descrente da divindade de Cristo e que cria numa igreja apóstata pós-Constantino. Ele mesmo se considerava “um novo arcanjo Miguel liderando um exército de anjos contra o anticristo”. Ao escrever e estudar teologia, Serveto acabou por descobrir a circulação pulmonar do sangue numa tentativa desvairada de provar que “o Espírito Santo entra pelo sistema sanguíneo através das narinas”, já que a respiração é inspiração e a Bíblia diz que “a alma está no sangue” (Gn 9.4).

Miguel Serveto

Serveto fora condenado por heresia por um tribunal francês da Igreja Católica. Antes, porém da sentença ser executada, o condenado fugiu e em seu lugar queimou-se um boneco de palha (ou foi um quadro seu?), e junto com ele muitos volumes de seus escritos. Ao escapar da prisão ele foi para Genebra e lá foi preso em 13 de agosto de 1553. O porquê Serveto foi para Genebra já que ele era inimigo declarado de Calvino, é motivo de discussão. Acredita-se, no entanto, que Serveto esperava se beneficiar com a hostilidade do Conselho Municipal com referência a Calvino. As autoridades católicas de Viena exigiram seu envio para julgamento. Na consulta a Serveto pelo conselho da cidade, o mesmo escolheu ser julgado em Genebra. A decisão final veio dos pareceres das igrejas de Basiléia, Berna, Zurique e Schaffhausen e o resultado unânime foi que Serveto seria queimado vivo. O historiador arminiano Roger Olson, acrescenta: “Calvino queria que fosse decapitado como castigo mais misericordioso por ter negado abertamente a trindade, mas as autoridades da prefeitura decidiram queimá-lo”10. Na manhã de 27 de outubro de 1553, Serveto é executado e ao ser queimado na fogueira clamava: “Jesus, filho do Deus eterno, tem misericórdia de mim11”. Em suas últimas palavras recusava dizer que Jesus era eterno. O erro de Calvino, dos protestantes e católicos foi acreditarem que poderiam aplicar a pena de morte para os casos de heresia, algo não sancionado pelo Novo Testamento. A única pena de morte estabelecida nas escrituras aos nossos dias é aquela no pacto noaico: “Quem derramar sangue de homem, terá o seu sangue derramado pelo homem, porque Deus fez o homem à sua imagem” (Gn 9.6). O fato da Constitutio Criminalis Carolina, da Lei Contra os Blasfemos, no artigo 106 do Código Criminal de Carlos V, aplicar a pena de morte naquele tempo, porém assim não fazia a Escritura, a não ser no estado teocrático de Israel na antiga aliança.

Condenado pela Igreja Católica à fogueira, e preferindo ser julgado em Genebra que ser enviado para Viena, a morte de Serveto indiretamente ficou ligada ao homem que ele mais odiava – Calvino. Agora, usar tal episódio para tachar Calvino de assassino, cruel e ditador é desonestidade intelectual e desconhecimento histórico. Aos arminianos que assim procedem, escutem as palavras do teólogo e jornalista arminiano Silas Daniel: “Um detalhe importante: além da execução de Serveto ter sido “a única vez que homens na Igreja Reformada usaram o método da fogueira como um meio para purificar herege” (Calvino, Genebra e a Reforma, Ronald Wallace, Cultura Cristã), quando o partido reformador, apoiado por Calvino, assumiu o poder de Genebra no lugar dos Libertinos, os hereges passaram a ser apenas expulsos da cidade, e não mais executados. Além de Serveto, ninguém mais foi executado por método algum por causa de heresia em toda a Genebra. As poucas execuções que se seguiram depois que o novo Conselho assumiu foram de membros do grupo dos Libertinos que (sem esperança de voltar ao poder devido a maioria de Genebra estar agora apoiando o partido reformador) promoveram levantes públicos e sangrentos nas ruas de Genebra, e por esses crimes foram presos e executados pelo Conselho municipal, e sem envolvimento algum de Calvino na questão12”.



Referências bibliográficas

[1] Cativo à Palavra, Roland H. Bainton. Vida Nova, 2017. p. 304

[2] Spurgeon versus Hipercalvinismo, Iain H. Murray. PES, 2006. p. 48

[3] Jonathan Edwards uma nova biografia, Iain H. Murray. PES, 2015, p. 212

[4] João Calvino era assim, Thea B. Van Halsema. Os Puritanos, 2009. p. 175

[5] A vida de João Calvino, Alister McGrath. Cultura Cristã, 2004. p. 128

[6] Que amor é este? Dave Hunt. Editora Reflexão, 2015. p. 103

[7] João Calvino era assim, Thea B. Van Halsema. Os Puritanos, 2009. p. 159

[8] A Vida de João Calvino, Teodoro de Beza. Theophilus Editora, 2022.

[9] A vida de João Calvino, Alister McGrath. Cultura Cristã, 2004. p. 132

[10] A Historia da Teologia Cristã, Roger Olson. Editora Vida, 2001. p. 420

[11] A História da Reforma, Carter Lindberg. Thomas Nelson, 2017. p. 303

[12] A Sedução das Novas Teologias, Silas Daniel. CPAD, 2020. p. 266

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