O nazismo e antissemitismo tornaram-se temas preponderante nos últimos dias nos noticiários e debates da TV, jornais, revistas e principalmente nas redes sociais. A onda foi gerada pelo podcast “Flow” entre o apresentador e um deputado quando se defendeu a existência de um partido nazista no Brasil. Acontece que no meio das discussões e análises posteriores o nome de Martinho Lutero foi citado como uma inspiração para Hitler no ódio aos judeus. É claro que se está a misturar alhos com bugalhos.
Sim, Lutero (1483-1546) usou de uma linguagem e atitude terrível contra os judeus no final de sua vida. Mas nem sempre Lutero tratou os judeus com desprezo. Sua obra Jesus Cristo era um judeu de nascença (1523) é uma prova disso. Nela Lutero faz um ataque as práticas da igreja contra os judeus. O reformador alemão inclusive concordava com um casamento de um cristão com um judeu o que contrariava o ensino medieval [1]. A questão de Lutero com os judeus nunca foi racial, mas apenas religiosa. Foi sua impaciência diante da rejeição do cristianismo pelos judeus que o levou a mudar de ideia. Em Conversas à Mesa Lutero disse: “Estou convencido de que se os judeus ouvissem nossa pregação e como manejamos o Antigo Testamento, muitos deles seriam vencidos; no entanto, por meio da disputa, eles se tornam cada vez mais obstinados, arrogantes e presunçosos. Contudo, se apenas alguns rabinos saírem, pode ser que os vejamos vir até nós, um após o outro, porque estão quase exaustos de esperar.”[2]. Lutero via os judeus como teimosos em rejeitar a mensagem do evangelho e sabia de certos judeus que induziam os cristãos a práticas judaicas. Havia até um boato que os papistas subornaram um judeu para matar Lutero[3]. E no meio de tudo isso Lutero perdeu a paciência e escreveu sua polemica obra Sobre os judeus e suas mentiras (1543). Nesse livro Lutero faz um ataque cruel contra os judeus e recomenda que eles fossem expulsos, não praticassem mais a usura, fossem trabalhar na agricultura e ainda que suas sinagogas fossem queimadas e seus livros tomados deles. Lutero queria que os judeus fossem para a Palestina de modo forçado. Na época ninguém reclamou de Lutero, pelo contrário, países como Inglaterra, França e Espanha já haviam expulsado os judeus há tempos. Praticamente os judeus não eram bem-vindos em nenhum lugar e isso nunca foi por causa de Lutero e nem da Reforma Protestante. Aliás fora Lutero nenhum outro reformador referiu-se aos judeus dessa forma. E então de onde vem o ódio aos judeus? A Idade Média produziu grandes mentiras contra os judeus e milhares deles morreram por causa disso. Entre as razões citamos três. A primeira é o libelo de sangue segundo o qual os judeus sequestravam e assassinavam crianças dos cristãos para usarem seu sangue em seus rituais durante a Páscoa [4]. Um exemplo é o caso do Simonino na Itália. Era uma criança de dois anos e meio que desapareceu na Sexta-feira Santa de 23 de março de 1475 e seu corpo foi encontrado mutilado no domingo dentro de um canal que passava perto de uma sinagoga de um judeu. Por causa disso mais de 14 judeus foram mortos e os outros foram expulsos. Uma segunda acusava os judeus de mutilação das hóstias porque segundo diziam eles rejeitavam Cristo ao ponto de crucifica-lo de novo, já que na crença católica da transubstanciação ali está a presença real do corpo de Cristo. E a terceira os judeus foram acusados de serem os culpados pela Peste Negra devido o envenenamento dos poços da Europa. Todas essas “fake news” contra os judeus custaram-lhes muito sofrimento e morte na história. O antissemitismo ou ódio aos judeus foi crescendo no continente europeu até que chegou no nazismo de Hitler que dizia em seu livro Mein Kampf: “Lutando contra o judaísmo, estou fazendo a obra de Deus”[6]. E o resultado foi o extermínio de mais de 6 milhões de judeus. Tal horror está estampado em filmes e documentários.
Lutero errou ao dizer o que disse sobre os judeus no fim de sua vida e ao que parece se arrependeu. Porem sua questão com os judeus era somente religiosa e não racial e nesse sentido Lutero não tem nada de semelhante com o nazismo de Hitler. Os judeus que se convertiam eram irmãos em Cristo o que não faz sentido para um nazista pois sua questão é racial e não teológica.
Referências:
[1] LINDBERG, Carter. História da Reforma. 1ª ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017. p. 427
[2] LUTERO, Martinho. Conversas à Mesa. Brasília, DF: Editora Monergismo, 2017. p.445
[3] BAINTON, Roland H. Cativo à Palavra. São Paulo: Vida Nova, 2017. p.383
[4] BOCK, GLASSER. Darrel L. e MItch. O Messias na Páscoa. São Paulo: Cultura Cristã, 2020. p. 177
[5] DANIEL, Silas. A Sedução das Novas Teologias. Rio de Janeiro: CPAD, 2020. p.259
[6] HITLER, Adolfo. Minha Luta. São Paulo: Editora Geek, 2018. p. 52
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