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  • Foto do escritorProf. Gildo Gomes

O CORPUS CHRISTI E A DOUTRINA DA TRANSUBSTANCIAÇÃO

Corpus Christi é uma expressão latina cujo significado é Corpo de Cristo. Na tradição católica é a festa do santíssimo sacramento, instituída pelo papa Urbano IV, no ano de 1264, com o objetivo de honrar a presença real de Cristo na eucaristia, conforme a teologia católica romana da transubstanciação1. A festa acontece todo ano, geralmente nos 60 dias posterior ao domingo pascoal. No site católico da Canção Nova se afirma que essa festa foi instituída pela igreja após uma visão da órfã de mãe, Juliana de Cornillon, nascida em 1191, próximo a Liége, na Bélgica, cidade onde mulheres já se dedicavam ao culto eucarístico. No ano de 1258, ela diz que viu Cristo pedindo a celebração do Corpus Christi no calendário litúrgico da igreja. A monja Juliana de Cornillon teve sua primeira visão aos 16 anos e nela via “a lua no seu mais completo esplendor, com uma faixa escura que atravessava diametralmente”2. Na interpretação a lua era a vida da igreja na terra e a faixa opaca representava a ausência da festa de adoração ao Cristo eucarístico. A Bíblia diz: “Ninguém se faça árbitro contra vós outros, pretextando humildade e culto dos anjos, baseando-se em visões, sem motivo algum na sua mente carnal” (Cl 2.18).





OS SACRAMENTOS


 A origem da palavra latina sacramento está associada ao juramento que um soldado realizava numa promessa solene diante do pavilhão do seu país. Há igrejas pentecostais que rejeitam terminantemente o uso do termo sacramento como a Assembleia de Deus3. No início do pentecostalismo, William Seymour, usava a expressão sacramento na confissão de fé do movimento na Rua Azuza4. As palavras “sacramento”, “ordenança”, “rito”, e “observância” são usadas por evangélicos ao se referirem ao batismo e a ceia do Senhor. Historicamente os dois primeiros termos são os preferidos no protestantismo. No meio batista, por exemplo, temos o uso de sacramento no Catecismo Ortodoxo (1680), e ordenança na Confissão de Fé Batista de 1689. Acreditamos que sacramento referindo-se ao batismo e ceia sejam melhor que ordenança e por uma razão: um sacramento é uma ordenança, mas nem toda ordenança é um sacramento como no caso do casamento. Para quem diz que a palavra “sacramento” não consta na escritura, afirmamos que “ordenança” consta na Bíblia, mas nunca em referência a ceia e ao batismo, e, portanto, ambas expressões são usadas alternadamente. 

Os sacramentos são ordenanças estabelecidas por Cristo onde elementos materiais são usados como sinais visíveis das promessas divinas. O protestantismo reconhece dois sacramentos na nova aliança: O batismo e a ceia do Senhor. Em outras palavras o sacramento é um sinal visível de uma graça invisível que não infunde salvação como acredita o catolicismo. Na verdade, são meios de graça para nossa santificação e crescimento espiritual (1Co 11.16). O teólogo reformado Herman Bavink5 (1854-1921), estabelece três semelhanças e diferenças entre a palavra de Deus e o sacramento. As semelhanças são: Deus é o autor; Cristo é o conteúdo e são assimilados por fé. E as diferenças são as seguintes: Na necessidade, a palavra é indispensável e o sacramento não; no propósito a palavra gera e fortalece a fé, o sacramento só fortalece; e na extensão a palavra vai para o mundo, e o sacramento somente para a igreja de Cristo. Com isso não desprezamos os sacramentos como os fariseus rejeitaram o batismo de João (Lc 7.29,30), mas os valorizamos em conformidade com o testemunho bíblico. A palavra de Deus nos vem pelo sentido da audição; os sacramentos pelo sentido da visão, e ambos se centralizam na pessoa de Cristo, nosso salvador e Senhor.

Assim como o Deus Pai estabeleceu na antiga aliança dois sacramentos (circuncisão e páscoa) e não os profetas, igualmente o Deus filho instituiu dois sacramentos na nova aliança (batismo e ceia), e não os apóstolos. A igreja não tem autoridade para estabelecer sacramentos e, sim, de celebrá-los na quantidade e forma em que foram entregues pelo Senhor ao seu povo. “Pois recebi do Senhor o que também vos entreguei: o Senhor Jesus, na noite em que foi traído, tomou o pão e, tendo dado graças, o partiu e disse: Isto é o meu corpo que é dado por vós. Fazei isto em memória de mim” (1Co 11.23). Percebe-se pela escritura uma certa correspondência entre a circuncisão e o batismo (Cl 2.11,12); assim como entre a páscoa e ceia (1Co 5.8), porém nem batismo e nem ceia são substitutos da circuncisão e da páscoa, pois estes pertencem a nova aliança que é superior a antiga (Jr 31.31-33; Hb 8.6-13). Dessa forma são antibíblicos os sete sacramentos do catolicismo: o batismo, a eucaristia, a confirmação, a penitência, a ordenação, o casamento e a extrema-unção ou unção dos enfermos. Os sacramentos no AT e NT seriam assim: 


SACRAMENTOS OU ORDENANÇAS NA BÍBLIA

Sacramentos do Antigo Testamento

Sacramentos do Novo Testamento

  • Circuncisão        Gn 17.10-12 

  • Batismo         Mt 28.18-20

  • Páscoa               Êx 12.1-14

  • Ceia               Mt 26.26-29


A TRANSUBSTANCIAÇÃO NA HISTÓRIA

 

Na igreja pós-apostólica os sacramentos do batismo e da ceia continuaram conforme as prescrições bíblicas. Na Didaquê6, um documento do final do primeiro e início do segundo século, apresenta instruções sobre a celebração da ceia e do batismo. Inclusive o batismo era feito após um período de jejum o que mostra que era ministrado a pessoas adultas. Somente após o batismo era possível participar da Ceia do Senhor. Todos comiam e bebiam do vinho. Na época de Justino, o Mártir (100-167 d.C.) ele descreveu como acontecia um culto no segundo século: “Quando a nossa oração termina, trazem-se pão e vinho e água, e o presidente, de modo semelhante, oferece orações e ação de graças, de acordo com a sua capacidade, e as pessoas concordam, dizendo Amém. Então se distribui a eucaristia a cada um, e cada participante naquilo pelo qual se agradeceu. E se envia uma porção disso para aqueles que estão ausentes”7. Mais na frente Agostino de Hipona (354-430) disse sobre a Ceia: “Compreendam espiritualmente o que eu disse; vocês não comerão esse corpo que veem; nem beberão o sangue que será derramado pelos que me crucificarão [...] Embora seja necessário celebrar isso de forma visível, deve ser compreendido espiritualmente”8.  Nos primeiros séculos da igreja, apesar de pais usarem a expressão sacrifício para a ceia, porém nunca desenvolveram uma teologia de eucaristia católica romana. Nada de crença em transubstanciação, ou seja, uma mudança dos elementos, agora transformados substancialmente no corpo e no sangue de Cristo no ato da consagração pelo sacerdote como afirma a Igreja Católica Romana8

Foi na Idade Média, no século 9, que irrompeu uma disputa entre dois monges de Corbie (França), acerca da presença de Cristo na ceia do Senhor. De um lado Radberto que defendia a presença real de Cristo na ceia; e do outro o monge Ratramo que cria na presença espiritual de Cristo na ceia9. A visão de Radberto foi aceita e oficializada pela Igreja Católica, sem o apoio da Sagrada Escritura, baseada exclusivamente na autoridade da igreja. O Quarto Concílio de Latrão (1215), a oficializou e o teólogo Tomas de Aquino (1225-1724) uniu a filosofia de Aristóteles com a doutrina da igreja na defesa da transubstanciação. O resultado é que a partir do século 13, a igreja deixou de dar o cálice aos comungantes, justificando com a doutrina da concomitância, segundo a qual quando o leigo recebe um elemento ele recebe o Cristo completo. Porém essa prática era para não profanar o sangue de Cristo, pois a igreja temia que ao servir o vinho ao leigo alguma porção corria o risco de se derramar. A doutrina da transubstanciação tirou o cálice do católico, desprezando o que Cristo estabeleceu. O padre John Huss (1370-1415), queimado na fogueira chegou a defender que as “duas espécies” (pão e vinho) fossem distribuídos aos fiéis. Os hussitas travaram guerras contra exércitos católicos para ter o direito ao cálice10, dado por Cristo e negado pela igreja. 





OS PROTESTANTES E A EUCARISTIA SEGUNDO A BÍBLIA

 

Na história protestante houve divergências quanto ao significado das palavras “Isto é o meu corpo”. Nenhum ramo do protestantismo, porém, interpretou as passagens bíblicas referentes a instituição da ceia do Senhor como forçadamente fez a Igreja Romana. Os protestantes creem na eucaristia. “E, tomando um cálice, rendeu graças e o deu a eles, dizendo: Bebei dele todos” (Mt 26.27). Ação de graça (no gr.“eucaristia”) significa “expressar gratidão”, “agradecer” “ser grato”, “aceitável a Deus”. Portanto, quando um católico indaga se cremos na eucaristia, afirmamos que sim, mas negamos a teologia da transubstanciação que afirma o mistério do Cristo eucarístico. Somos contrários a essa doutrina pelas seguintes razões bíblicas:

  1. Jesus disse: “Isto é o meu corpo que é partido por vós; fazei isto em memória de mim” (1Co 11.24). A interpretação literalista da expressão “isto é o meu corpo” é o grito de guerra dos católicos na defesa da transubstanciação. Eles se esquecem que a segunda parte do texto “fazei isto em memória de mim”, deveria lembra-los que o corpo real de Cristo não está ali, pois assim não faria sentido algum;  

  2. Se na frase “isto é o meu corpo”, o verbo ser (é), implica numa conversão literal do corpo de Cristo no pão e do sangue de Cristo no vinho, então as afirmações “eu sou” de Cristo no evangelho de João serão literais por causa do verso ser: “eu sou o pão da vida” (Jo 6.35); “eu sou a luz do mundo” (Jo 8.12) e “eu sou a videira” (Jo 15.1);

  3. No ato da instituição da ceia o “pão partido” é o corpo sacrificado de Cristo; e o “vinho derramado” é o derramamento do sangue de Cristo. Sendo assim, o pão não poderia ter sido o corpo físico de Cristo e nem o vinho ser o sangue de Cristo, pois o seu corpo ainda não fora partido (crucificado) e seu sangue ainda não fora derramado na cruz. Então quando os discípulos comeram o pão e beberam o vinho não foi o corpo e nem o sangue físico de Cristo. E se isso não foi para eles na instituição da Ceia, não seria na continuação da celebração, “até que ele [Cristo] venha” (1Co 11.26); 

  4. O apóstolo Paulo apresenta o sacramento da ceia do Senhor no sentido de participação e não de sacrifício. “Acaso o cálice da bênção que abençoamos não é a comunhão do sangue de Cristo? Acaso o pão que partimos não é a comunhão no corpo de Cristo” (1Co 10.16). Ao se alimentarmos dos elementos do pão e do vinho, e não apenas de um, participamos da comunhão com Cristo. É a participação na comunhão e não de um sacrifício como acontece na transubstanciação. Cristo ofereceu seu sacrifício na cruz suficientemente uma única vez. “Mas este tendo oferecido um único sacrifício pelos pecados, assentou-se para sempre à direita de Deus”(Hb 10.12)11.

  5. Os católicos dizem que o “primeiro anúncio eucarístico” está no Evangelho de João 6.53,54: “Em verdade, em verdade vos digo: Se não comerdes a carne do filho do homem, e não beberdes o seu sangue, não tereis vida em vós mesmo. Quem come a minha carne e beber o meu sangue tem a vida eterna; e eu o ressuscitarei no último dia”. Essa passagem nem se refere a ceia do Senhor e se fosse tornaria o sacramento salvífico. Nesse mesmo capítulo Jesus já havia dito que trabalhassem não pela comida que perece, mas pela que permanece para a vida eterna (Jo 6.27). A carne de Cristo seria dada pelo mundo (Jo 6.51). Isso não é a ceia, embora a ceia fale disso. Comer de Cristo é crer em Cristo (Jo 6.40). No diálogo com a mulher samaritana Jesus disse que “quem beber da agua que eu lhe der nunca mais terá sede; pelo contrário, a água que eu lhe der se tornará nele uma fonte de agua a jorrar para a vida eterna” (Jo 3.14). Assim como Jesus não se referia a uma água literal, o mesmo se diz quando compara o seu corpo a um pão para se comer. No final do discurso Jesus nos previne de uma interpretação sacramental: “O Espírito é o que dá vida, a carne não serve para nada; as palavras que vos tenho falado são espírito e vida”. (Jo 6.63).  

A festa religiosa do Corpus Christi, é fundamentada numa teologia inteiramente antibíblica, que distorceu as palavras da instituição da ceia do Senhor, eliminou a necessidade do fiel participar do vinho e incentiva a idolatria nas procissões com a hóstia consagrada nas ruas ou no templo quando se encurva diante do sacrário ou tabernáculo. 



Referências bibliográficas

[1] Defesa da Fé, Revista do ICP, Ano 8 – nº 55. Jundiaí-SP, 2003.

[3] Declaração de Fé das Assembleias de Deus. CGADB, CPAD, Rio de Janeiro, 2018  p.122

[4] SYNAN, JR. Vinson e Charles Fox. William Seymour, a biografia. Natal: Carisma editora, 2017. p. 235

[5] BAVINK, Herman. Dogmática Reformada vol 4. São Paulo: Cultura Cristã, 2012 pp. 485, 486

[6] Padres Apostólicos, Coleção Patrística. São Paulo: Paulus, 1995. p. 353

[7] ALLISON, Gregg R. Teologia Histórica. São Paulo: Vida Nova, 2017. p. 761

[8] ALLISON, Gregg R. Teologia Histórica. São Paulo: Vida Nova, 2017. p. 766 

[9] SCHREINER, CRAWFOR. Thomas R. e Matthew R. A Ceia do Senhor. Imprensa da Fé, 2021. Cap. 5  

[10] GONZÁLEZ, Justo L. História Ilustrada do Cristianismo. São Paulo: Vida Nova, 2011. p. 499   

[11] ALISSON, Gregg R. Teologia e Prática da Igreja Católica. São Paulo: Vida Nova, 2018 p.


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